quarta-feira, 25 de março de 2009

Ne Me Quitte Pas


“Infelizmente a Dona Elaine faleceu, ok!? Vou providenciar o atestado de óbito...” De repente, a voz do médico residente ficava cada vez mais fria, cada vez mais metálica e cada vez mais longe. A morte da minha tia era questão de tempo, pois ela tinha a maldita doença do século: Alzheimer. De início, comportei-me razoavelmente bem. Derramei algumas lágrimas, mas me mantive em pé, pois havia uma viagem para fazer.

Se pudesse, gostaria muito de morrer por um dia para ver como é estar do “outro lado”. Para saber como nos vemos. Para conhecer o outro plano que nos espera. Durante alguns minutos fiquei do lado da minha tia, depois de já haver falecido. Tudo acabou. Nunca mais ouviremos sua risada, sua voz e não seguraremos mais em sua mão com esperanças de que a doença ia sair de seu corpo como entrou – rapidamente.

Alguns segundos do seu lado, aliás, do lado de seu corpo me deixou um pouco desconfortável com a idéia de que um dia nós também morreremos e – particularmente – tenho muito medo disso. Tenho medo do desconhecido. Tenho medo por não saber. De repente, estava ao lado de um corpo que não tinha mais utilidade. Que não abraçaria mais. Que não faria mais cócegas, enfim, estava ao lado de um nada. Estava ao lado da representação de uma pessoa, sem aquela pessoa, responsável pelo seu corpo, não estar mais ali.

Lembro do seu sorriso doce, suave e feliz. Lembro da sua voz baixa e tom delicado. Lembro de seus carinhos meigos e da sua corridinha estranha. Lembro de nossas conversas e também lembro de suas lágrimas. Minha tia lutou 8 anos aproximadamente contra a doença que acaba com o cérebro das pessoas. Uma guerreira que perdeu suas forças no dia 7 de março de 2009, um dia antes do dia internacional da mulher.

Vaidosa, como sempre, Elaine nunca deixou de sair para a rua com um batom passado nos lábios, perfume no pescoço e na roupa bem escolhida. Seus brincos não eram exagerados, eram curtos, bem junto às orelhas. Usava uma corrente grande de ouro que continha a imagem de Nossa Senhora Aparecida, que logo que minha tia adoeceu, acabou perdendo em um lugar. Com 63 anos de idade, tia Elaine faleceu, deixando 3 filhos.

Teve um marido que a amava e que era amado. Viviam como dois eternos namorados, mais o seu príncipe o deixou cedo. Seus filhos pequenos ficaram para ajudá-la a viver. O que fazer da vida? O quê fazer com tudo que era dele? Como vou ficar? Algumas perguntas que, com certeza, ficaram em sua cabeça durante alguns tempos. Lembro que mesmo doente, a tia Elaine tardou a esquecê-lo. Certa vez, apareci com uma jaqueta de lã que era do meu tio e ela disse-me que queria aquela jaqueta quando não me servisse mais, depois de uns segundos, ela me olha e diz: _”Não. Não quero!”

Sempre alegre. Sempre feliz. Sempre vaidosa. Sempre Elaine. Não falava palavrão. Para a mesma falar um nome feio se quer era a coisa mais difícil do mundo. Quando meu pai e ela, meu outro tio e outra tia e minha mãe se encontravam na casa em que morei durante 16 anos em Rosário do Sul, a tia Elaine sempre chorava de tanto rir e era tão gostoso ver suas lágrimas de alegria. Era contagiante.

Uma vez, aliás, até hoje tenho isso de vez em quando, mas a primeira vez qu tive síndrome do pânico a tia Elaine me levou ao centro espírita. Senti-me melhor, mas não era aquilo que queria. Não era religião do que estava precisando. Precisava, na época, compreender que a morte realmente existia e que isso não acontecia somente na família dos outros.

Nunca comi um strogonoff de língua de vaca tão gostoso e tão bem preparado como o dela. Certa vez, nunca esqueci, quando era pequeno fui à casa dela para dormir lá. Era de madrugada quando me virei para o lado e me dei de cara no chão. Caí da cama, fazendo um barulhão. Foi engraçado. Na manhã seguinte fui acordado por minha tia com um leite com bolacha Maria na cama – nunca comi um tão gostoso como o dela.

Várias coisas me fazem lembrar da minha tia. Várias coisas que eu queria ouvir dela e que não consegui mais, pois ela não falava mais, devido à doença. Gostaria, no dia de seu enterro ter dito algumas palavras, mas não consegui. Só chorava. Lembrava da minha infância ao seu lado. Lembrava das coisas boas que ela fazia. Lembrava de seu perfume, de sua voz, de seu sorriso. Um tio meu acabou falando e ao fim aplaudimos minha tia, que já não tinha em seu corpo a luz do dia.

Um dos dias mais tristes da minha vida foi quando o mundo perdeu uma guerreira que lutou até o último minuto para sobreviver.

Saudade de um estranho: o meu avô.


Tenho saudades do meu avô. Lembro-me dele de cadeira de rodas e do seu olhar doce, sereno e carinhoso. Que saudade dele! É engraçado eu sentir falta ou saudade, pois quando ele morreu eu tinha apenas quatro anos de idade e nem o conhecia direito.

O vô Solon deixou uma esposa e três filhos, que eu conheço, e um deles é o meu amado pai. Acho que se o vô estivesse vivo ainda conseguiria entender melhor meu pai e teria alguém a mais para conversar.

Lembro do seu rosto, do seu corpo, mas infelizmente não consigo resgatar da memória os momentos em que estive com ele, só alguns. Minha avó tinha uma máquina de costurar, dessas antigas que eram grandes e tinham duas gavetas de madeira dos lados e, nesta máquina, o vô guardava alguns trocados que na época não lembro se eram cruzados ou cruzeiros e eu pedia dinheiro para comprar balas e ele ia lá no quarto, abria uma dessas gavetas e me dava várias moedas.

Aliás, essa é a única lembrança que tenho do vô Solon. Para mim, é triste não lembrar de mais momentos em que estive com ele, infelizmente. Vejo fotos em que a família toda está reunida na minha antiga casa, mas não lembro como foi a reunião e nem quando aconteceu.

Se ele estivesse vivo creio que muita coisa não teria acontecido e várias outras teriam se realizado. A vida nos prega umas peças e o destino nos leva, às vezes, à direções inesperadas. Talvez, se o vô ainda respirasse acho que conversaríamos muito sobre o Grêmio – paixão da sua vida – sobre o PMDB, sobre o pai e sobre as mulheres.

Também, acho que em todas as conversas que teríamos, estaríamos acompanhados de um bom chimarrão ou de uma cerveja estupidamente gelada, não sei se ele tomava chimarrão ou se bebia cerveja – creio que sim, mas com certeza uns cigarros nos acompanharia, pois meu avô fumava, também.

Solon de Lima Carvalho, pai do meu pai, meu avô, morreu em 1991 de câncer. O dia do enterro dele foi um dia feliz para mim. Nunca comentei com ninguém sobre isso, mas enquanto velavam o seu corpo e o enterravam, eu fiquei na casa de uma amiga das minhas irmãs, pois não tinha onde ficar, visto que toda a família estava no velório e posteriormente no enterro e como eu tinha apenas quatro anos, meus pais resolveram me deixar na casa dela. Minha felicidade se dava pelo motivo de que eu era apaixonado por essa amiga das minhas irmãs, então, estar na casa dela era ótimo para mim.

Era inocente e não sabia o que estava acontecendo. É engraçado, hoje, lembrar da minha felicidade naquele dia tão triste. Não tinha consciência do que estava acontecendo, pois se soubesse com certeza eu choraria muito.
Hoje, sinto que uma parte da minha história ficou em branco por eu não ter conhecido meu avô melhor. Creio que seríamos bons amigos e dividiríamos bons cigarros, bebendo e conversando.

Meu primo, uma vez, me disse que ele era meio “esquentado” e que não levava desaforo para casa. Para mim é difícil aceitar tal fato, pois a imagem que tenho do meu avô é a de que era um homem calmo e romântico. Talvez eu pense assim por lembrar justamente do momento em que estava debilitado por causa da doença.

Queria que ele estivesse aqui comigo hoje... Acho que meu pai ficaria muito feliz se isso acontecesse. Queria que o vô Solon me desse mais umas moedas para eu comprar balas. Se eu soubesse que em pouco tempo nunca mais iria vê-lo, teria guardado, juntado, todas as moedas que ele me deu, só para poder mostrar para os outros e dizer que tinha sido meu avô que me deu.

Há pouco tempo visitei minha avó, na casa dela, em Rosário do Sul, e fiquei muito emocionado quando ela me deu umas abotoaduras do meu avô. Estava me arrumando para ir a um baile social e ela me deu esse presente inesquecível. Lembro que a minha emoção era tanta que queria usá-las naquela noite, mas a vó me explicou que não daria, pois deveria descosturar e desmanchar algumas coisas no punho da camisa e não conseguiria fazer a tempo.

Não importa se não usei e se não vou usar em breve as abotoaduras, mas o relevante, mesmo, é que com elas aqui comigo sinto meu avô mais perto de mim.

Que saudade do meu avô que nem bem conheci.

terça-feira, 10 de março de 2009

The Last King Of Scotland


Ontem, pela madrugada, assisti a um filme que tinha muita vontade há um bom tempo. Digamos que estava esperando o momento certo para assisti-lo. O filme: The Last King Of Scotland (O último Rei da Escócia). Uma trama muito interessante e misteriosa. O filme prende a atenção dos espectadores por vários aspectos. Três deles: A fotografia do filme é uma das mais bonitas que já vi do cinema americano. Outro é a atuação do ator que não lembro o nome, mas que interpretou o temido Idi Amin, presidente ditador, que matou cerca de 300 mil ugandenses em seu regime dizia que era para o bem da nação. Lembro que o referido ator que não lembro o nome ganhou o Oscar por esse filme. O outro e último aspecto a ser levado em consideração é a capacidade de uma pessoa ser tão doente e infantil a ponto de matar pessoas, aniquilar vidas, arrasar famílias e sonhos individuais dos cidadãos e também sonhos coletivos crer de certa maneira que está tudo bem. Acreditar, mais ou menos, igual a Bob Marley cantando “No Woman no cry”!

Então, emocionado com a fotografia, com a interpretação do cara e indignado com o genocídio, resolvi escrever algo que me deixou de boca aberta. Estava um amigo meu e eu em plena Avenida Rio Grande, no Cassino, bairro onde moro em Ro Grande. Os dois meio embriagados, pois era a última noite do carnaval, se dirigiam a uma lancheria para matar a fome que, peculiarmente, se atreve a aparecer depois de horas de festa. No meio do caminho ouvimos um guri (mais ou menos 24 anos de idade, morno e não aparentava ser de estatura alta), de bicicleta, gritou “porco” – lembro que neste exato momento meu amigo e eu passamos a prestar atenção no que estava acontecendo – e quando o guri gritou, o mesmo saiu correndo de bicicleta e atrás dele, buscando possuí-lo, três policiais militares estaduais, ou seja, os brigadianos.

A cena que vimos segundos depois desta que narrei foi violenta e totalmente desnecessária. Os brigadianos conseguiram pegar o cara, o derrubaram, chutaram o mesmo, agrediram o guri na cara, chutaram o mesmo enquanto ele ainda estava no chão, ou seja, uma total covardia – um abuso grosseiro de poder por parte da polícia. Quem estava na avenida, ali por perto, viu a cena e com certeza ficou chocado - assim como eu. Qual será o verdadeiro motivo para os brigadianos ficarem com tanta raiva quando chamados de porcos? Qual o motivo de se ofenderem com este “adjetivo”? acredito que só nos ofendemos quando alguém coloca apelidos que realmente nos cabe. Por exemplo: não me ofenderia se alguém m chamasse de corno, safado, sem vergonha e até mesmo porco, pois esses adjetivos não fazem parte do meu caráter, da minha pessoa e quanto aos outros, sinceramente, eu não me importo com o que pensam com o que deixam de pensar.

Penso num motivo para que os brigadianos se ofendam com o adjetivo de porcos. Juro que penso! Porém, não consigo encontrar uma conclusão ao menos plausível. Gostaria que algum deles – dos brigadianos – me explicassem. Além do mais, coitadinhos dos porcos!!! Eles só servem para nos alimentar, pois só comem, defecam, dormem e morrem. Para quê “mexer” com quem está, praticamente, esperando a morte chegar? Falando nisso, deve ser boa a vida de porco. Ora, eles nascem, comem, comem comem, engordam, engordam, engordam e depois de certa idade morrem. Ou seja, não precisam trabalhar para ter o que comer, pois tem sempre alguém preocupados com a alimentação deles. Também, não precisam constituir família. Também, não reclamam, mesmo sabendo – ou não – que vão morrer. Acredito, até, que os porcos vivem muito melhor que nós e até mesmo que os próprios brigadianos.

Então, comparando: Idi Amin matou por amor a pátria, por amor à Uganda - país africano e os policiais daqui de Rio Grande bateram por puro amor próprio. Sinceramente, creio que as histórias são parecidas, não? O ego dos caras, tanto do Amin, quanto dos brigadianos estão super elevados - no caso do Amin estava elevado, pois o mesmo morreu em 2003. Creio que é um negócio mais ou menos assim: “não mexe comigo se não vais te ‘ferrar’”. O que é uma pena, porque o presidente da república é o homem que mais deve zelar pelo seu país e a polícia militar deve dar segurança ao povo e não ater-se em casos minúsculos e nem – quase – arrebentar alguém porque esse alguém adjetivou a polícia - tão capaz, tão honesta – de porcos. Afinal, porcos são bons. Eu, particularmente, gosto muito da carne suína.

É uma pena que tenha encerrado o meu carnaval com esta cena deplorável e recém narrada, pois a magia colorida e alegre do carnaval virou a esquina, dobrou na próxima rua, e deu lugar à crueldade e a irracionalidade de pessoas que pensam primeiramente nos seus quepes e fardas para depois olhar para o lado e pensar no próximo ou se quer nas conseqüências que os seus atos irão trazer à sociedade. Estou indignado com a brutalidade de como aquele menino foi tratado. Espero não ouvir mais os barulhos de cacetadas nas costas qu o mesmo levava e nem dos tapas, pois abuso de poder – como este – tem limite e, se queremos uma sociedade justa e livre de qualquer preconceitos devemos, no mínimo, pensar no próximo como uma pessoa e que pode muito bem virar o jogo e estar com a situação nas mãos, amanhã, pois quem sabe do futuro é Deus.

Também, se não foi legítima defesa, pois para ela se concretizar deveria haver, no mínimo ameaça de lesão física e não lesão de ego, o que foi então a cena que meu amigo e eu assistimos em frente à Padaria Zum Zum??? Ainda, recém me curando do trauma do choque de ter participado de alguma forma para o fato narrado, seguindo pela mesma avenida vjo um caminhão guincho do DETRAN-RS trafegando em via pública pela contramão. Ora, senhoras e senhores, onde está a moral de quem dirige um caminhão como aquele senhor naquela noite? Ainda por cima com o caminhão guincho! Meu amigo até comentou: “é pena não ter uma máquina fotográfica”. Realmente, pois se estivesse portando a minha teria tirado várias fotos de dois espetáculos naquela noite. Um espetáculo foi da polícia o outro foi do motorista do DETRAN que anda contramão.

Gostaria de explicações, ainda, a respeito da palavra “porco”. O que será que isso significa aos brigadianos? Pensem comigo e s conseguirem achar uma resposta, agradeceria imensamente!